O trabalho é o tema central e estruturante das PNADs. Deste modo o número de quesitos existentes sobre esse tópico ultrapassa em muito os da mesma investigação, quando feita nos censos.
O conceito de trabalho figura de diversas maneiras nas pesquisas do IBGE. Na década de 1960, perguntava-se sobre as condições de atividade e ocupação no ano (i.e., é economicamente ativo aquele que trabalhou ou procurou trabalho em algum momento no período de 365 dias). Em seguida, o indivíduo respondia qual era sua “ocupação habitual” (aquela que exerceu durante mais tempo no ano anterior). Caso estivesse trabalhando na semana de aplicação do censo, o respondente apenas indicava se a ocupação que estava exercendo era a mesma informada no quesito anterior, referente ao ano. Se a resposta fosse afirmativa, tínhamos também o dado sobre a ocupação da semana de referência (SR); caso contrário, ela não era captada. Esse mesmo modelo foi aplicado no censo de 1970.
Em 1980, o questionário do censo também indaga sobre a ocupação habitual, contudo, acrescenta que “se [o indivíduo] mudou de ocupação com ânimo definitivo, [o entrevistador deveria] registrar a ocupação atual”. Além disso, um outro quesito indaga sobre a ocupação da semana de referência para casos em que não há esse “ânimo definitivo” (“Se na semana de 25 a 31-8-1980 estava exercendo uma ocupação diferente da que exerce habitualmente, qual a ocupação que exerceu?”).
Em 1991, a pessoa apenas responde acerca de sua ocupação habitual ou aquela para a qual mudou com ânimo definitivo - isso implica que para uma parcela dos respondentes, não temos registro da ocupação exercida nos últimos sete dias (como ocorria nos censos de 1960 e 1970). Já em 2000 e 2010, pergunta-se apenas sobre a ocupação dos últimos sete dias. É importante frisar que as diferenças na forma de captação do trabalho apontadas implicam em restrições na comparação dos dados.
Nas PNADs há vários conceitos e medidas sobre o trabalho dos indivíduos. Nas décadas de 1990 e 2000, além do “trabalho principal da semana de referência” e “trabalho principal da semana do período de 365 dias”, pergunta-se também sobre o “trabalho secundário da semana de referência” (para aqueles com mais de um emprego), sobre o “trabalho anterior exercido no mesmo ano” (para os que trabalham na semana de referência e mudaram de emprego há menos de um ano) e sobre o “trabalho exercido nos quatro anos anteriores” (para aqueles que não trabalharam no ano).
Para além da questão sobre o período de referência, a comparabilidade das questões sobre trabalho depende ainda dos sistemas de classificação ocupacional e de setores de atividade econômica. Até 2000, cada edição dos censos empregou um sistema diverso - cujo tamanho, detalhamento e complexidade foram sempre crescentes. Em 2010 foram utilizadas as mesmas classificações da década anterior. As, por sua vez, sempre PNADs se utilizaram dos sistemas empregados nos Censos Demográficos do início do decênio.
Inúmeros artifícios podem ser utilizados para tornar as classificações compatíveis; e a própria Comissão Nacional de Classificações do IBGE (Concla) fornece, para as décadas mais recentes, tabelas de conversão/correspondência dos códigos entre os dois sistemas. Porém, alguns pesquisadores preferem transpor as diferentes classificações brasileiras para algum sistema internacional que lhes serviu de modelo ou criar seus próprios agrupamentos e categorias. Todavia, é necessário destacar que qualquer operação de conversão incorre em graves problemas de confiabilidade nos níveis mais desagregados.
Com relação aos rendimentos, a primeira dificuldade para uma abordagem longitudinal consiste na aplicação de deflatores e métodos de conversão monetária. De 1960 a 2010, houve sete alterações da moeda brasileira, sendo que cinco delas ocorreram entre 1986 e 1994. Além disso, a gama de índices de inflação (bem como dos métodos que empregam para medir o fenômeno) variou consideravelmente. Qualquer procedimento de conversão e correção monetária deverá empregar informações advindas de fontes diversas. O IPCA é usualmente definido como deflator padrão - no entanto, suas medições só chegam até o ano de 1980. Corseuil e Foguel (2002) sugerem um conjunto de deflatores para os Censos, PNADs e PMEs, construídos a partir do IPC e outros índices e abarcando o período de 1960 até o início da década de 2000. O procedimento indicado no trabalho desses autores se constitui num método para viabilizar a comparação monetária e pode ser estendido para os demais anos até 2010.
Ao lado da questão das diferenças monetárias, inclui-se o fato de que as questões voltadas para a captação dos rendimentos não se mantiveram constantes no tempo. Em 1960 e 1970, por exemplo, só há uma questão dedicada a esse tópico, na qual se pede para que o indivíduo informe sua “renda média” advinda de todas as fontes. Deste modo, não é possível decompor as fontes de renda e identificar a parcela que não advém do trabalho. A partir das PNADs da década de 1970, a captação da renda se tornou mais detalhada, com a inclusão de diversos quesitos que identificam as fontes de renda e especificam os valores recebidos em cada uma delas. Em geral, os itens básicos são renda do trabalho, de aposentadorias e pensões e outras fontes de renda. O conteúdo dessa categoria de “outras fontes” variou bastante, podendo incluir aluguéis, doações, rendimentos de juros e capital e, mais recentemente, transferências de Programas Sociais. Com respeito a esse último ponto, a relevância, tanto política como acadêmica, do combate à pobreza e às desigualdades sociais impeliu à formulação de metodologias para a decomposição e identificação desses repasses governamentais que podem ser aplicadas em algumas pesquisas domiciliares (cf. SOARES et al, 2006; SOUZA, 2010). Por último, há o tema do trabalho infantil, sistematicamente investigado pelas PNADs, mas que só esteve presente no censo de 1980.
Referências:
CORSEUIL, Carlos Henrique; FOGUEL, Miguel N. “Uma sugestão de deflatores para rendas obtidas a partir de algumas pesquisas domiciliares do IBGE”. Rio de Janeiro: Ipea, 2002. (Texto para Discussão, n. 897).
SOARES, F. V. et al. “Programas de transferência de renda no Brasil: impactos sobre a desigualdade”. In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (Org.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: Ipea, 2006. v. 2.
SOUZA, Pedro H. G. Ferreira de. “Uma metodologia para decompor diferenças entre dados administrativos e pesquisas amostrais, com aplicação para o programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada na PNAD”. IPEA - Texto para Discussão Nº 1517, Rio de Janeiro, dezembro de 2010.